a dor de ver é a dor mais cruel, mas ao mesmo tempo é a dor que cura, é o remédio para os passos tortos, é o grito mais alto e mais forte que consome nossas entranhas, é o acaso que acelera o coração em ritmo desenfreado e descompassado.
agora eu começo a contar os dias pra ver se passa logo. quero que vá embora.
Estou aqui sentada esperando a chuva passar, esperando ela encharcar meu bom senso. Sei que estou perdendo o tempo, as folhas, os traços, mas também me sinto tão cansada hoje, acho que não quero aprender, hoje não!
Hoje eu quero um banho gelado, um abraço apertado e um copo de coca.
Amarra o pouco cabelo que tem para o alto da cabeça, acerta uns grampos no emaranhado arrumado, se distrai e refresca os pensamentos no vai e vem do ventilador que divide seu tempo um pouco pra cada lado. Olha para a janela esperando uma brisa gelada entrar, se anima, desiste, tem certeza do que é certo, mas a quentura é tanta que recua e se preocupa.
Voltei de viagem e fui encontrar dois amigos em um bar, ocupamos as mesas do passeio, era mais fresco, depois de um tempo uma senhora que passava pediu um cigarro para uma das pessoas da mesa. Minutos depois ela volta, pega a minha mão, vira a palma para os seus olhos e diz, "Flor, não chora, sua vida é tão boa, é só ficar tranquila". A mulher cigana de lenço na cabeça leu minha mão, sem nenhum pedido meu, ela leu.
Saber que a vida pode ser tão mais leve, tão mais suave, mas a gente é que não deixa, ficamos dificultando o simples, sem porque!
Vi as cores mais bonitas, as frutas e suas plantações, os mercados, as ruas, as praias e suas águas multicoloridas, vi o rio São Francisco, fui ao Xingó, nadei em águas claras e boiei sobre seus 25 metros de profundidade, cortei alguns estados, descobri que o catamarã mais rápido tem o nome de "rei do cangaço", visitei a cidade de Lampião, dancei um baião, comprei renda e rede, tomei suco de acerola, trouxe cacau pra minha terra, quebrei as pernas do caranguejo, arrumei uma boneca de vestido florido e contas do meu santo, conheci as tartarugas e a luta pela sobrevivência, vi a chuva molhar o sertão e a alegria do sertanejo, nadei no mar de águas quentes e foi no caminho que vi as cores mais bonitas.
agora guardo todos os meus suspiros no bolso, agora amarro todos aqueles sorrisos bobos em uma caixa verde, agora eu desvio pensamentos e tento bloquear minhas vontades, meus desejos, ainda falo quando não devo, ou devo, já nem sei. Me viro como posso, me deito e me distraio com o barulho das cortinas, funciona!
Estou indo perder os passos atrás do bloco, não que assim será ao pé da letra, mas estarei lá tentando retratar o carnaval pendurado no varal de cada folião, e porque também não me deixo levar? Porque a vontade de ir não é tão leve como deveria ser? Não sei! Mas vou atrás do bloco registrando os passos, grafando os caminhos e seus vizinhos, os atentos e os seus movimentos, contando cores e registrando os amores de verão.
"Peço licença e faço minha oração
que ela proteja meu corpo
quando eu passar a rebentação
Nas tempestades,
no olho do furacão
Nesses mares da paixão
A sua benção
eu peço por toda a nação
o leme, o vento do centro
Pra prosseguir nessa direção
O seu alento
nas noites de solidão
No meio da imensidão
Salve salve
Salve Iemanjá
Salve a Rainha do Mar
Quando meu corpo se envolve
No seu abraço salgado
Eu me sinto criança
E assim vou sendo ninado"
"sou o que se chama de pessoa impulsiva. como descrever?
acho que assim: vem-me uma idéia ou um sentimento e eu, em vez de refletir sobre o que me veio, ajo quase que imediatamente.
o resultado tem sido meio a meio: às vezes acontece que agi sob uma intuição dessas que não falham, às vezes erro completamente, o que prova que não se tratava de intuição, mas de simples infantilidade.
trata-se de saber se devo prosseguir nos meus impulsos. e até que ponto posso controlá-los. [...]
deverei continuar a acertar e a errar, aceitando os resultados resignadamente?
ou devo lutar e tornar-me uma pessoa mais adulta?
e também tenho medo de tornar-me adulta demais: eu perderia um dos prazeres do que é um jogo infantil, do que tantas vezes é uma alegria pura.
vou pensar no assunto. e certamente o resultado ainda virá sob a forma de um impulso.
não sou madura bastante ainda.
ou nunca serei."
arde os olhos e limpa a alma, peço licença pra entrar, com jeito eu me ajeito firmo o pé no fundo do mar, com os pensamentos do lado de fora deixo as ondas me levar, saio viva e destemida para o meu ano continuar.
4.2.10
Se a dor for muito forte tome dois litros de coca cola e arrote, não tenha medo.
Tenho duas coisas importantes na cabeça, não que eu queira pensar nelas, muitas vezes nem quero pensar, só que uma delas eu tenho como tirar da minha cabeça, tem tempo certo pra terminar, mas a outra só deus sabe quando vai se mandar. O maior problema é que uma desconcentra a outra e é tudo tão curto, e é tudo tão confuso.
A mistura entre os tons e os sons certos, a medida correta de uma delicadeza qualquer, um tic tac nervoso que transforma os sentidos, um sonzinho gostoso que revigora, transmite sensações, emoções, proporcionam lembranças.
Tudo tem um tempo pra nascer e morrer, tudo tem um tempo certo pra ser belo e depois deixar de ser, não tenho dó dos girassóis com suas vidas curtas que passam rapidamente de um amarelo vivo e vistoso para um galho seco e umas sementes, porque assim nascem outros girassóis, são como outras oportunidades, outros amores, outras vidas, outros sentimentos, tudo tem o seu tempo.
O dia nunca passou tão lento, nem um vento, nem uma brisa, derretida eu olho para o relógio, qualquer papo me agrada, qualquer coisa me distrai, fico esperando o moço do picolé passar pra alguém me chamar, hoje vou escolher de limão pra vê se trato dessa minha moleza de verão.