ah meu amigo, não me diga que toda má sorte vem dela!
não existe uma sorte ruim, existem os rumos tortos, laços mal dados, abraços mal abraçados, sorrisos de meia boca, desejos doados em voz alta sem verdade.
"não vá pensando que determinou
sobre o que só o amor pode saber
só porque disse que não me quer
não quer dizer que não vá querer
pois tudo o que se sabe do amor
é que ele gosta muito de se dar
e pode aparecer onde ninguém ousaria se pôr
só porque disse que de mim não pode gostar
não quer dizer que não tenha o que considerar
pensando bem, pode mesmo
chegar a se arrepender
Deus não me deu um braço de mar, mas sim um rio pra nadar e uma praça pra brincar. Um dia desses acordei e vi que haviam arrancado meus balanços, as árvores, as traves do gol improvisado, os pés de carambola do seu Genaro e a venda do pé de moleque. Proibiram-me de brincar.
Eu tinha um teatro na garagem de casa. Fitas de cetim, um ator e um tamborim, bonecas encantadas e um dente de marfim. Um dia desses acordei e percebi que haviam desmontado o teatro, levaram as bonecas, as panelas, e até os ramos de alecrim.
Agora tenho uma faixa, uma árvore, um guarda sol e umas cervejas pra mim. Agora me viro como posso, grito bem alto esperando a água que corre nos dutos da mangueira pra vê se refresca essa minha bobeira. Mas um dia vou ter tudo de volta o teatro e minhas botas, a praça e as carambolas.
(Vivemos e usamos, usamos e vivemos, deixamos de lado as doçuras de criança, os detalhes do dia e da noite. Começamos a não perceber as mudanças que as pessoas fazem por nós. Corremos tanto contra os passos do relógio que acabamos deixando pra lá, fechando os olhos mesmo não gostando do resultado. Perdemos nosso canto no mundo, ficamos espremidos no fim do corredor e acabamos morrendo com impressão de não ter vivido como deveria.
Em todos os casos, em todos os momentos, nas coisas pequenas e nas coisas grandes, precisamos dar mais atenção para as mudanças.)
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além do decreto sobre a proibição de eventos na Praça da Estação, agora também querem abrir mão do festival de teatro FIT desse ano.
há quanto tempo dura isso em mim? e que dia vai embora?
fico aqui sabendo das coisas que acontecem enquanto o mundo gira. Umas me assustam, mas logo passa, não consigo carregar todo o peso presente, mas existem outras coisas que me deixam com um sentimento de que vai durar por um bom tempo, me preocupo com os detalhes do outro, com os suspiros, queria perguntar, rezar, dizer que estou aqui e que por aqui vou ficar, mas não comportam mais meus impulsos, minhas emoções nesses casos e acasos.
poderia fazer um mambo pra afogar meus rodopios e com calma falar um pouco do calor que faz em minha terra, já não fazem mais dias frescos de brisa no final da tarde (como antigamente).
poderia fazer um samba pra contar do meu amor, ou do meu futuro, poderia ser mais clara que o sol, em um gingado manso.
poderia fazer um som com os talheres de minha mãe, com as cortinas de bambu, poderia contar do arco íris que ganhei quando o sol brilhou na água do chuveiro.
passo o tempo pensando em como poderia preencher meu domingo.
doce de leite, costurar o vestido furado, lembrar do filme, cantar sem parar pra afastar do canto o papagaio acanhado.
sobre a batida mansa em compasso firme sigo o meu coração, sem saber muito bem da língua do outro procuro entender os olhares, mas não consigo ouvir, permaneço assim ouvindo meu som em primeiro plano.
já estamos aqui no terceiro mês, vou e volto todo o tempo, passo pelas mesmas ruas todos os dias, escuto, falo, é um sonho pra cada lado, é a greve, é a chuva, é o falatório. lembro logo depois de esquecer, desenho meus planos, me deito e não quero levantar, não assim tão rápido.
sei da feira de flores na sexta no caminho pra faculdade, sei que no sábado vou ver os casais dançando na praça ao som do chorinho delicado, sei que verei meus amigos, sei que tem gente que não vejo mais, ah, e como sei.
assim eu vou indo e vindo, vou nessa missão desenfreada e danada.
a agonia maior é lembrar de uma cena. me faça esquecer.
gostaria que fosse só um exagero meu,
ou um sonho mal acabado onde a gente acorda desesperado.
sorriria se fosse um papo contado, fofoca de qualquer lado.
fico nesse vazio que nenhum abraço cura.
e como dura.